7 de janeiro de 2008

O canto

Foto: Isa Bevilaqua

Bem lá no fundo ela vive. Salgada.

Desliza em meio aos peixes, às pedras e aos restos de navios. Nas carcaças de ferro recobertas de algas é que se esconde quando um ou outro descuidado mergulha até lá. Acha graça na estranheza da figura que chega toda paramentada, soltando bolhas, usando roupa de neoprene, pés de pato e cilindro nas costas. Ali embaixo, eles precisam de oxigênio. “É o homem que carrega o cilindro ou o cilindro que carrega o homem?”

Acontece às vezes de subir à superfície para olhar o céu estrelado. Só sobe à noite, porque o sol machuca a pele branca, quase transparente. Prefere banho de lua, sobretudo se for cheia.

As noites inspiram-na. Então, ela canta um canto que quem já ouviu jura que hipnotiza. E deve mesmo, porque desde que o mundo é mundo os marinheiros perdem a cabeça com sua voz. Entregam-se às profundezas que guardam a lenda e não voltam nunca mais.

Se fosse eles, eu também me entregaria.

Nenhum comentário: