24 de dezembro de 2007

Aí vem 2008,
e que chegue feliz!


Gente, 2007 está com os dias contados. Final de ano traz as lembranças do que fizemos ou não, do que dissemos, vivemos, ouvimos, escrevemos...e de tudo o que a gente deixou pra depois. Minha lista com promessas de ano novo está na cabeça – não escrevo que é pra ninguém cobrar depois...

Por aqui quero registrar que foi muito legal entrar para a blogosfera, conhecer idéias e histórias de gente que se não fosse a web, seria difícil encontrar.

Valeu todo mundo pela troca!! Tem sido bom demais!

Cristãos ou não, pouco importa, desejo que esse espírito natalino de fraternidade, compreensão, perdão e amor puro contamine a gente e fique impregnado em 2008! Que eu, você e todo mundo possamos no ano novo dar e receber mais tolerância, respeito e amizade!

I get high with a little help from my friends...

Até 2008!!

21 de dezembro de 2007

Aos cacos
quando a eles pertencer


Imagem: llbvn

Com um “basta!” entalado na garganta, fitava o homem no fundo dos olhos. Aquele homem que era seu marido mas que naquele instante, assim como em outros instantes recorrentes de um tempo para cá, parecia um desconhecido a surpreender-lhe a boca do estômago, impiedoso.

Encarou-o, em perplexa decepção, por dez segundos. Nestes dez segundos, couberam seus oito anos juntos, do primeiro beijo até o presente – o casamento, a lua-de-mel, o primeiro de muitos rompantes; os prazeres e as concessões. Conseguiu compactar os anos de convívio em dez angustiantes segundos e neles ainda coube, pela última vez, a dúvida: “vale a pena insistir nisso?”, e a resposta definitiva: “não!”.

O casal ainda se olhava como quem radiografa em despedida o interior alheio, derradeira tentativa de mapear o que passa dentro daquele de quem um dia se foi íntimo mas de repente não se é mais. O “basta!”, há meses trancado na jugular da mulher, irrompeu em um gesto. Extremado, inadequado, equivocado, seu gesto tomou proporções exageradas, sabia disso, mas não era mais possível controlar-se.

Da garganta o “basta!” correu pelos braços tal qual corrente elétrica em sobrecarga. Ao chegar nas pontas dos dedos, a eletricidade que represara puxou a tolha sobre a mesa com toda a força que as mãos delicadas daquela mulher de um metro e sessenta puderam recrutar. Foi o tempo de duas piscadelas, e a mesa posta do café-da-manhã fragmentou-se em cacos empapados de café com leite. Pão, queijo e estilhaços de louça sobre o piso de azulejo verde escuro. A toalha branca, agora manchada com a última refeição a dois, cobria parte da porcelana estilhaçada.

Durante a cena, nenhum dos dois disse palavra e assim permaneceram. Enquanto o homem a olhava atônito, ela levantou-se e foi buscar a bolsa. Dando as costas rumou à porta, disse adeus e informou que outra hora – qualquer hora distante daquela – daria um jeito de buscar suas coisas. Falou assim mesmo, “minhas coisas”, como se fosse pouco o que deixava para trás. Eram pertences reunidos ao longo de oito anos, mas eram muito pouco diante do que em realidade estava deixando naquele apartamento. Sem fazer ruído, fechou a porta e se foi.

Ele permaneceu sentado em meio aos restos de comida, olhando os cacos espalhados pelo chão. Do início da discussão até aquele momento não esboçou reação, só conseguindo retomar a fala quando a mulher já estava lá fora, indo embora pelo elevador. Pouco mais alto que um sussurro, dedicou-lhe quatro palavras terminais, sem raiva nem piedade, sem qualquer emoção. Honestíssimo, balbuciou: “grande filha da puta...”.

17 de dezembro de 2007

Leia-me

Sentei-me, cansada de discussões via MSN e e-mail. Se bater boca cara a cara é desgastante demais, por escrito me dá preguiça.

Cansei de tentar me fazer entender e acabar frustrada por suas interpretações errôneas. Talvez eu não tenha capacidade de explicar o que sinto, talvez a impaciência impeça sua compreensão, mas agora tanto faz, já não importa.

O estrago foi feito. Contudo, tenho uma mania irritante de querer fazer as pazes. Coisa de gente que precisa de aprovação. Não tenho pudor de assumir insegurança e carência – conheço o material de que sou feita e sei que as fragilidades é que dão suporte à minha coluna vertebral. Sem elas, não seria capaz de ficar em pé.

Quero abrir aqui uma bandeira branca que despeje paz nesse ponto final. Quero ficar de bem porque, a despeito das agressões, só consigo querer o bem de quem um dia foi meu bem e me fez bem.

Não posso tomar cerveja com você, ainda não. Se eu for, corro risco de recaída e aí todo esse trabalho para te tirar de mim iria por água abaixo. Uma hora vai dar, agora, não.

Para terminar, te dedico um poema – o último. É Mario Quintana (gostaria que fosse meu) e traduz com precisão impressionante tudo o que eu não consegui te fazer entender sobre mim. Sem esperar que entenda agora, seguem os versos:

"Por favor não me analise
Não fique procurando cada ponto fraco meu
Se ninguém resiste a uma análise profunda
Quanto mais eu...
Ciumento, exigente, inseguro, carente
Todo cheio de marcas que a vida deixou
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor

Amor é síntese
É uma integração de dados
Não há que tirar nem pôr
Não me corte em fatias
Ninguém consegue abraçar um pedaço
Me envolva todo em seus braços
E eu serei perfeito amor."

16 de dezembro de 2007

Será que desentope?

Época de Natal faz todo mundo ficar mais bonzinho que o normal. É o tal espírito natalino.

Acho que o tempo tem entupido esse clima fraternal em alguma parte de mim que não alcanço. É que antigamente, mal chegava dezembro a aura natalina já havia me embrulhado pra presente. Eu era toda empolgação, irmandade e panetones. Não sou mais.

Descobri isso na sexta-feira, enquanto esperava o sinal ficar verde no cruzamento da alameda Ministro Rocha Azevedo com a avenida Paulista.

Estava lá eu, parada dentro do carro, quando um menino carregando uma caixa de chicletes bateu no vidro com a pergunta “tia, qual é a capital da França?”. Permaneci olhando para ele, provavelmente com cara de besta, enquanto pensava “o que esse menino tá falando?!”. Uns dez segundos depois, respondi “Paris” e ele me passou a rima: “compra esse chiclete pra fazer um menino feliz?”.

Dei risada, agradeci e disse que estava sem dinheiro, não comprei. O sinal abriu, engatei primeira e fui. Perdi a chance de dar vazão ao espírito do Natal; deixei de fazer um menino feliz e fiquei com isso na cabeça.

Preciso desentupir minha fraternidade.

10 de dezembro de 2007

Para enlouquecer...

Para enlouquecer não basta querer. Antes fosse...
Loucura requer profunda disposição interna.

Dá manchete: "Insanidade rouba as rédeas da Razão e toma para si a Consciência".

Auto-controle é coisa que escapa desde o começo, no entanto, ao invés de entregar-se ao destino - ou ao descontrole - desperdiça a vida em uma luta vã por recuperar o tal controle, mero fantasma fugidio.

Esquivar-se...sumir, desaparecer, escapar. Livrar-se de si para renascer outro.

Que tal enlouquecer para poder tornar-se outro ser?

Estilhaçar um espaço invisível que mora entre o peito e a cabeça.

Fragmentar o juízo em partículas cortantes – cortantes para quem?

Mergulhar para dentro. Cegar.

Para enlouquecer não basta desespero. Antes fosse...
Loucura requer entrega completa e renúncia absoluta.
É difícil demais abrir mão dessa ilusão apelidada controle.



Arthur Bispo do Rosário (1909-1989)
Foi parar em manicômio após ver Jesus
descer dos céus cercado
por sete anjos azuis.
Depois de enlouquecer, virou artista.



Arthur Bispo do Rosário, auto-retrato
O conjunto de sua obra está no Museu
de Imagens do Inconsciente
,
no Rio de Janeiro.


Para saber um pouquinho mais sobre Bispo do Rosário
clique AQUI
Para ver coleções de outros artistas da loucura, AQUI

2 de dezembro de 2007

curtas
02

O ser encostou-se à primeira criatura dotada de reservas que encontrou. Já havia feito assim outras vezes e sabia que dava certo. A criatura no começo não reparou. Depois, aceitou, com esperanças de transformar a doação em troca. Foi mal-sucedida. Um dia, deu-se conta de que estava fraca – deixara-se sugar além do limite. Em tempo, extirpou a ventosa que lhe bebia as energias. Sangrou, mas deu para estancar. Seguiu adiante com as costas marcadas – a cicatriz deu quelóide – mas o que vale é que seguiu.

Nunca mais teve notícias do sugador. Há quem diga que é bicho, outros, que é fungo; o ser sente-se humano, não importa. Seja o que for, seu destino é parasitar.