Imagem: Lu Tomaselli
Olhou em volta para conferir se alguém reparava. Ninguém. Correu ao banheiro, onde fez força para expulsar de seu corpo a cápsula que carregava como supositório. Era o único meio de passar incólume pela revista.
Odiava voltar para a clínica nas noites de domingo, depois de passar o dia com a família “no mundo de lá”. Além da aversão a ficar presa, tinha ojeriza pelas enfermeiras que a revistavam. Eram todas baixinhas e sebosas, suarentas até em dias frios.
Ao despir-se para a revista, sempre imaginava que a enfermeira – homem mal-acabado – iria surpreendê-la, sacando de trás da braguilha um imenso pênis para currá-la. A de hoje era especialmente asquerosa: brotava de sua testa uma bolota de gordura acumulada. Dizia que era pinta, mas não era.
Expelida, a cápsula comprida foi lavada cuidadosamente com água e sabão. Tratou de enxugá-la bem. Mirava-se no espelho, com o pó nas mãos, pensando no sacrifício semanal. “Uma pessoa disposta a trazer à clínica de reabilitação em que está internada farinha escondida no rabo, deve de fato ser interditada.” Zoé via fundamento no pedido feito pelos pais à Justiça. Tinha consciência de que, desde sempre, levara a vida passando dos limites – seus e dos outros. Mas, a essa altura, já não importava.
Com cuidado para não desperdiçar, abriu o recipiente e com a unha do mindinho fez valer a fungada dominical. De olhos vidrados no espelho, chupou os resquícios do pó no dedo, o que provocava uma leve e gostosa dormência na ponta da língua.
Prendia e soltava os cabelos, sem decidir como preferia. Não via a hora de estar livre para dar seus tecos de forma decente. Sentia falta do ritual cocainômano, das carreirinhas divididas igualmente, da notinha de dólar com que tinha o hábito de aspirar. Tinha de ser nota novinha, senão dava nojo.
Soltando os cachos, deprimiu-se pensando nos pais que desde sua adolescência gastavam rios de dinheiro na tentativa de livrá-la do vício. Angustiou-se ao pensar no filho de oito anos. “Praticamente filho de chocadeira, o coitadinho”, dizia consigo, fitando as pupilas negras. “Melhor pra ele, o pai talvez lhe baste.”
Novamente abriu a cápsula: só mais uma fungada. Encarou os cabelos desbotados e reparou nos sulcos ao redor da boca e dos olhos. Marcavam mais idade do que os trinta e oito que tinha. “Pele marcada de sol e farinha.” Desculpou-se com a imagem no espelho – reminiscências da mulher que fora.
Depois, então, sorriu, guardando de volta no bolso, como tesouro, a substância provedora de nervosas alegrias.
Sorria porque a noite findava e a madrugada levaria até seu quarto o Beto, caso antigo, colega de clínica e de vício; velho companheiro das bocadas e de noites consumidas por volúpia em motéis de estrada.