17 de janeiro de 2008

Orwell, Huxley e a genética da Microsoft

Ontem (16), foi divulgada a notícia de que a Microsoft está desenvolvendo um programa que promete monitorar o rendimento dos funcionários que trabalham em frente ao computador.

O sistema deverá conectar o coitado do empregado ao micro por sensores sem-fio, que farão registro de seu desempenho no emprego por meio da medição dos batimentos cardíacos, da temperatura corporal, da pressão arterial e das expressões faciais (!!). O monitoramento seria acompanhado em tempo real pelas chefias – que estariam, assim, aptas a ajudar ou carcar os funcionários se o programa registrasse qualquer variação fisiológica que pudesse indicar desempenho aquém do desejado. O robozinho dedo-duro wireless ainda seria capaz de detectar sintomas de estresse e frustração.

Impossível não relacionar esse sistema com o “Big Brother” – o original, aquele imaginado por
George Orwell no livro “1984”, traduzido na edição que surrupiei do meu pai há oito anos como “Grande Irmão”. A matéria publicada no britânico Times Online faz o paralelo logo na primeira linha, já no Jornal da Globo a notícia foi dada sem menção ao livro.

Invasão de privacidade monstra, robotização geral. Imagina se isso pega? A moça iria trabalhar toda contente porque o Zé telefonara. O sistema detectaria em sua expressão facial um riso à-toa e um aumento dos batimentos cardíacos de tempos em tempos – isso quando ela pensasse em Zé, mas o sistema não teria como saber no que ela estava pensando.
Um minuto depois, seu patrão careca, gordo e de bigodes fartos iria convocá-la. Conseguiria explicar-se para em seguida ouvir que estava demitida. Por justa causa. “Ora essa, o problema do ser-humano é insistir nas emoções", sentenciaria o chefão. "A senhorita precisa aprender a dominar as suas, do contrário não vai parar em emprego algum.” Emoções seriam justa causa.

Em “1984”, o 'profeta Orwell' – um Nostradamus rebelde – conta a história de uma sociedade que é monitorada o tempo todo pela figura do “Grande Irmão”. Quem vive nela passa por uma lavagem cerebral ininterrupta e não possui qualquer direito individual. Liberdade, democracia e distribuição do poder são coisas do passado, de tempos em que predominava um regime classificado malévolo e desordenado.

Se você não leu, leia porque é uma viagem. Aproveita e lê também
“Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley – um Nostradamus lisérgico. Se a engenharia genética cai na mão de algum insano neonazista, tudo o que pode acontecer está descrito na obra de Huxley. Aí, meu bem, só a base de Soma.

12 de janeiro de 2008

Haja saco!

Não, não estou praguejando.

É que hoje fui passear pelo Haja saco --também conhecido como "o blog dos meninos".

Quer ver? Clica aqui.

Valeu, Fabinho, pelos toques e palpites. E valeu, Hajas todos, pelo espaço!

11 de janeiro de 2008

Retrato de inocência

[Da nova série "Conversas de Metrô"]

Estação Santa Cecília, São Paulo, sete e meia da manhã.

Enquanto aguardava o trem que me levaria até a Sé para a primeira baldeação, eu observava o povo ao redor. Do meu lado, um menino com cerca de doze anos conversava com outro mais ou menos da mesma idade. Um garotinho mais novo, de mãos dadas com o primeiro, observava a conversa dos dois. Este devia ter uns cinco anos, no máximo.

Menino 1 – ...andei de Bondinho, subi lá no alto. É mó aaaalto lá em cima, mas eu não fiquei com medo, não...

Menino 2 – Eu também vou no Bondinho quando meu pai me levar pro Rio. Ele prometeu...

Menino 1 – Eu estava com medo de bala perdida, mas você não precisa ter medo, porque enquanto eu estava lá não vi nenhuma bala perdida...

Menino 3 (de cinco anos) – Se eu levar balinha pro Rio e perder ninguém devolve?

Suspirei. “Ah, a inocência das crianças...”

7 de janeiro de 2008

O canto

Foto: Isa Bevilaqua

Bem lá no fundo ela vive. Salgada.

Desliza em meio aos peixes, às pedras e aos restos de navios. Nas carcaças de ferro recobertas de algas é que se esconde quando um ou outro descuidado mergulha até lá. Acha graça na estranheza da figura que chega toda paramentada, soltando bolhas, usando roupa de neoprene, pés de pato e cilindro nas costas. Ali embaixo, eles precisam de oxigênio. “É o homem que carrega o cilindro ou o cilindro que carrega o homem?”

Acontece às vezes de subir à superfície para olhar o céu estrelado. Só sobe à noite, porque o sol machuca a pele branca, quase transparente. Prefere banho de lua, sobretudo se for cheia.

As noites inspiram-na. Então, ela canta um canto que quem já ouviu jura que hipnotiza. E deve mesmo, porque desde que o mundo é mundo os marinheiros perdem a cabeça com sua voz. Entregam-se às profundezas que guardam a lenda e não voltam nunca mais.

Se fosse eles, eu também me entregaria.